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Apple acaba com o Grátis na App Store


Essa semana, a Apple lançou uma atualização da App Store que troca o “call to action” dos botões dos aplicativos da loja. Para os que não trabalham com marketing, vou explicar: call to action é aquela frase que nós usamos como gancho para o usuário. Pode ser ao final de um parágrafo ou uma única frase de título, ou ainda o texto de um botão. Mas a ideia é sempre a mesma, ajudar o usuário a agir e direcioná-lo. Exemplo: “Está esperando o que? Continue lendo!”

Ao acessar a App Store até semana passada, os usuários viam ‘Grátis’ ou ‘Free’ escrito no botão para baixar apps como Clash of Clans e Candy Crush Saga. Agora temos ‘Obter’ na loja brasileira (‘Get’, em inglês).

Antes, era Grátis ou Free. Agora é Obter ou Get.

Antes, era Grátis ou Free. Agora é Obter ou Get.

 

A Apple fez isso para respeitar uma nova regulação europeia que prega mais clareza com relação a jogos Free to Play. Então não se vê mais a palavra ‘free’ ao lado do Candy Crush, porque, afinal, ele não só permite como incentiva compras dentro do app, não sendo totalmente grátis.Contudo, até os jogos e apps verdadeiramente gratuitos, sem “transações surpresa”, tiveram o texto modificado para ‘obter’. Ou seja, mudaram o call to action de todos os apps gratuitos (com ou sem in app purchase). A diferença é que nos Free to Play, eles adicionaram a seguinte frase abaixo do botão, para ficar ainda mais claro: “Compras dentro do app”.

Previsivelmente Irracional

De acordo com o que Dan Ariely fala sobre o poder psicológico que o grátis exerce sobre nós, é de se esperar que essa mudança da Apple cause uma grande diminuição no número de downloads de jogos grátis. Mas isso depende do que que exatamente provoca todo esse poder de atração. Simplesmente ler a palavra grátis é suficiente para nos sentirmos atraídos? Ou nos atraímos mais pelo conceito do grátis? Ou seja, algo que podemos baixar à vontade para testar e, caso a gente goste, podemos considerar gastar algum dinheiro ali.

Se a atração é por conta do conceito, a mudança de uma mera palavra não deveria alterar o número dos downloads. Mas eu acredito que ao ver ‘grátis’ escrito no botão, isso diminui em muito a fricção da experiência do usuário e aumenta a curiosidade do usuário. De acordo com o que Steve Krug escreve em seu livro Não Me Faça Pensar (que é um livro indispensável sobre usabilidade), diminuir a fricção é primordial. O usuário de internet não quer ter que pensar. Qualquer fricção adicionada na experiência pode fazer toda a diferença.

Assim sendo, acredito que a mudança do call to action do botão fará sim uma diferença e o número de downloads diminuirá. Principalmente, porque as pessoas ficam confusas com ‘obter’ e podem não entender o que isso significa. Esses segundos de hesitação, onde os usuários têm que parar para pensar, podem custar caro, especialmente quando ‘grátis’ era terrivelmente simples. Vamos ficar de olho, será interessante ver os desdobramentos disso.


O Grátis Pesa. E muito!


Ariely

Dan Ariely

Em seu livro Previsivelmente Irracional, Dan Ariely abre nossos olhos com relação à Economia Comportamental, uma área de pesquisa desconhecida por muitos, que busca explicar através de fatores sociais, cognitivos e emocionais, como é que nós decidimos comprar ou não algo. Ele prega que nós achamos que somos muito racionais no momento da compra (excetuando aquelas compras de impulso), mas ele prova que não só somos extremamente irracionais, como também repetimos os mesmos padrões de irracionalidade. O que nos torna previsivelmente irracionais. Essa é uma obra clássica do marketing, onde o autor aborda a questão da precificação relativa, da falácia da demanda e procura, relações mercadológicas e sociais, o peso do grátis, entre muitas outras coisas. É sobre esse último e sua aplicação no mercado dos jogos que irei falar hoje.

O grátis não é só mais um preço, como R$1 ou R$0,10. Ele é um estado emocional. Quantas coisas nós já não pegamos porque eram de graça? Quem nunca entrou numa fila por algo que não precisava, simplesmente por ser de graça? O poder do grátis me pegou outro dia: a Origin disponibilizou Dragon Age: Origins gratuitamente no seu ‘Por Conta da Casa’ e eu, que nunca liguei para jogos do tipo, fui lá baixar. Ué, era de graça! E então surgiu a ideia deste texto…

Um Experimento

No livro, Dan Ariely relata uma experiência que fez com chocolates. Sendo professor de uma prestigiada universidade americana, o autor abriu uma pequena banca de venda de chocolates no campus. Ele vendia dois tipos: uma deliciosa trufa da marca suíça Lindt, por $0,15 e o comum Hershey’s Kiss (tinham o mesmo tamanho e peso) por $0,01. A trufa de Lindt a esse preço é uma barganha até para os americanos. Os alunos que quisessem comprar, só poderiam escolher um dos dois. O que acham que aconteceu? 73% escolheram a trufa, porque o preço estava muito bom para um chocolate importado e apenas 27% escolheram o Kiss.

O professor Ariely resolveu então diminuir em 1 centavo o preço de cada chocolate: agora o Lindt custava $0,14 e o Kiss da Hershey’s $0,00. Vocês acham que o grátis fez diferença? Se fez! Apenas 31% dos estudantes escolheram o Lindt e 69% escolheram o Kiss agora que este era gratuito. Mas o que aconteceu aqui? Ambos os preços foram baixados em 1 centavo, então a relativa diferença de preços entre os dois não mudou, bem como o prazer que se espera ao comer cada um deles. De acordo com teorias econômicas padrão (análise simples de custo benefício), a redução de preço não deveria ter mudado tanto a porcentagem de escolha. Mas, como falei no início, zero não é só mais um preço

O Caso Amazon

Gostaria de citar também o estudo de caso proporcionado pela famosa livraria online. A Amazon.com passou a oferecer frete grátis para compras acima de um dado valor, digamos, $30. Com isso, eles perceberam que as pessoas estavam pedindo mais livros por pedido em média, para chegar aos $30 que lhe davam direito ao frete grátis. E assim a livraria aumentou em muito seu ticket médio. Todas as outras Amazons do mundo seguiram esse caminho e todas viram um aumento de livros por pedido e ticket médio. Menos a Amazon França. Eles resolveram que ao invés de oferecerem o frete grátis, ofereceriam frete a – na época – 1 franco, o que equivale a 20 centavos de dólar, para compras acima de um dado valor. É inegável que isso é um ótimo negócio, afinal, fretes normalmente custam bem mais que isso! $0,20 é quase de graça, #sqn. E o resultado foi que as vendas na França não aumentaram. Ou seja, pessoas no mundo todo estavam dispostas a pedir mais livros do que planejavam ou precisavam inicialmente, simplesmente porque o frete sairia de graça, mas não estavam dispostos a fazer isso para pagarem apenas $0,20 no envio. Não existe meio grátis, assim como não existe meio grávida…

E no mundo dos games?Por Conta da Casa

Não é de hoje que a indústria dos jogos descobriu o poder do grátis com os jogos Free to Play. Quantos de nós já não baixamos jogos gratuitos no nosso celular que nem queríamos? Não custa nada, né? Literalmente… Sem a barreira do preço, muitos games se destacaram e conseguiram uma legião de fãs fiéis (e depois muito, muito dinheiro com IAPs – in app purchases). Isso não quer dizer que fazer um jogo porcaria qualquer e colocá-lo de graça será suficiente para que ele seja bem-sucedido. É claro que, além de gratuito, o jogo tem que ser bom, senão os jogadores não voltarão a jogar. O preço zero é só o fator de atração inicial, ele não é um modelo de negócios.

Um exemplo ainda mais forte é o caso que citei acima do ‘Por Conta da Casa’ da Origin e iniciativas como o ‘Free Weekend’ da Steam. No primeiro, o jogador é atraído por um jogo – já antigo – gratuito e acaba virando cliente da plataforma mais para frente. No segundo, o gamer tem um fim de semana para jogar alguns games de graça e, no processo, se “vicia” em alguns deles e acaba comprando-o ao final do fim de semana, para poder continuar jogando.

Não sei o que acham dessas iniciativas, mas com certeza elas se tornarão mais comuns, pois existem milhares de outras formas poderosas de se usar o grátis, pois ele é, acima de mais nada, uma estratégia de marketing.