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Jogos Acessíveis: O Desafio de não olhar para o próprio umbigo


“Eu não conseguia ir adiante sem a ajuda de uma pessoa não deficiente”. A frase anterior foi dita por Josh Straub em uma conversa (em inglês, veja aqui) com Emilia Schatz e Alex Neonakis, game designers da Naughty Dog. Josh (currículo) é um consultor em acessibilidade, já passou pela Ubisoft e atualmente é editor chefe na D.A.G.E.R.

Essas palavras traduzem o que acredito ser a maior frustração de um ser humano, deficiente ou não, dentro do universo dos games. Quando digo não deficientes, lembrem-se que estamos sujeitos a condições inesperadas e um braço quebrado pode atrapalhar toda sua experiência enquanto jogador. Pensando assim, algum de vocês já desenvolveu um game imaginando como jogá-lo caso não pudesse usar a mão direita?

Desenvolver jogos baseando em públicos estereotipados e em perfeitas condições físicas ainda é uma das falhas da maioria dos produtos que estão no mercado. No entanto, para discutir essa questão, primeiro é necessário compreender o que é acessibilidade.

  • O que é acessibilidade (no mundo digital)? cfb2cf56b5aa7d9e1a7b677c4b10244f

Segundo DIAS¹ (2003), a acessibilidade digital é a capacidade de um produto ser flexível o suficiente para atender às necessidades e preferências do maior número possível de pessoas, além de ser compatível com tecnologias assistivas usadas por pessoas com necessidades especiais.

Ser flexível e atender às necessidades/preferências de um maior número de possível pessoas soa como um grande desafio, mas pequenas alterações no início do projeto podem trazer resultados significativos. Um exemplo claro (se não viu a conversa acima, veja) é sobre o uso de cores. Cerca de 5% da população mundial possui daltonismo (Fonte) e a dificuldade em diferenciar as cores, por exemplo: vermelho e verde, afeta toda a jogabilidade durante uma partida. Seria difícil utilizar o azul no lugar do vermelho ou possibilitar a troca de cores para não prejudicar os 365 milhões (Fonte) de possíveis jogadores? Acredito que não.

  • Mas porque os desenvolvedores permanecem utilizando públicos-alvo em perfeitas condições físicas? Seria falta de informação? Tempo extra de trabalho? Má vontade?

Depois de conversas em redes sociais e com colegas de profissão, trago a resposta. O autor não foi identificado por questões óbvias.

resposta

Só digo uma coisa.

nao

Essa desculpa não pode existir! Concordo que implementar alguns recursos possa dar trabalho e que não conseguiremos criar um jogo acessível a todas as diferenças do mundo. Agora existe uma série de pequenas alterações que se definidas na elaboração do projeto, amenizam problemas para uma parcela de jogadores. Com criatividade e um pouco mais de empatia, criaremos jogos melhores e atrairemos aqueles que são impedidos de ter uma autonomia no mundo dos games por ignorância/preguiça dos desenvolvedores. 

O que pensam sobre jogos acessíveis? Muito trabalho? Preguiça dos desenvolvedores? Vamos discutir.

Nos vemos no próximo post!

Referência:

DIAS, Cláudia. Usabilidade na Web – criando portais mais acessíveis. RJ: Alta Books, 2003.


Por mais empatia no mundo dos games


Você já ouviu falar em games persuasivos?

Assim, no susto, o termo pode parecer estranho. Estamos falando de games que convidam o jogador a viver situações e se colocar no lugar de personagens específicos, experimentando dilemas (principalmente morais) que o façam refletir.

A discussão a respeito do engajamento empático no meio dos games voltou à tona nesta semana, especialmente por conta do polêmico posicionamento do Facepunch Studios, estúdio criador do jogo de sobrevivência Rust. O jogo passou a selecionar randomicamente os avatares que seriam utilizados, sem que o jogador pudesse exercer controle sobre esta decisão. Assim sendo, o jogador de Rust deve estar preparado para jogar com qualquer avatar, independente de gênero e raça.

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Imagem do jogo Rust

Embora Rust exista desde 2013, foi publicada uma postagem no seu blog de desenvolvimento no dia 7 de abril a respeito da adoção de um gameplay baseado na seleção do avatar pela SteamID. Muitas perguntas foram feitas e respondidas, principalmente por Garry Newman, principal desenvolvedor do jogo, para o The Guardian em Why my videogame chooses your character’s race and gender for you ou  “Porque meu videogame escolhe a raça e o gênero de seu personagem para você”.

Apesar das reclamações, Newman é categórico:

“Em ultima instância a decisão tem a ver com o gameplay. Nós não acreditamos que deixar você escolher sua raça ou gênero iria melhorar o jogo. Por outro lado, randomizar o gênero e a raça de todo mundo atende a todos os nossos requerimentos. Nós conseguimos uma ampla gama de raças e gêneros que fazem os jogadores mais identificáveis – enquanto, ao mesmo tempo, tornam os aspectos sociais do jogo muito mais interessantes.”

empatia-persuasive-games-marketing-gamesA ideia de usar os videogames como meios de comunicação mais empáticos, tratando de temas mais densos do que a boa e velha oposição entre bem e mal, não é realmente nova. Segundo Ian Bogost, autor de Persuasive Games: The Expressive Power of Videogames, é fácil explicar por que o potencial do videogame como meio de comunicação assusta:

“Quando você lê um livro ou assiste um filme, você pode sentir empatia ou se relacionar emocionalmente com os personagens ou as situações, entretanto você não está em posição de tomar decisões e ser confrontado com a experiência apresentada.

Num game, você tem um modelo de mundo no qual você interpreta um papel. Você tem uma parte do mundo representada no game e você pode tomar decisões. Estas decisões importam em termos de experiência estética.

Esta ideia é bem poderosa, porque permite aos games o oferecimento desses pequenos modelos de mundo dentro do qual nós podemos pisar. Nós podemos experimentar como é ser alguém ou alguma outra coisa. No caso dos games que tratam da experiência pessoal de alguém ou sobre um desafio em particular, a ideia de nos dar um sentido de como é viver na pele de alguém talvez seja mais pontual nos games do que em qualquer outro meio.”

O estúdio independente Tale of Tales, responsável pela criação de jogos como The Graveyard e The Endless Forest, trabalha justamente com essa premissa ao nos apresentar Sunset:

Sunset é um videogame em primeira pessoa conduzido pela narrativa que se passa num apartamento de uma cidade ficcional Sul-americana da época de 1970. Você joga como uma governanta chamada Angela Burnes. Toda semana, uma hora antes do pôr do sol, você visita o luxuoso apartamento de Gabriel Ortega. Você recebe uma série de tarefas para realizar, mas a tentação de se meter nos negócios dele é irresistível. Conforme você passa a conhecer melhor seu misterioso empregador, você é sugada por uma trama subversiva contra um notório ditador, Generalíssimo Ricardo Miraflores.”

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Imagem do jogo Sunset

Já deu para perceber que, apesar da temática de guerra, Sunset é bem diferente de um Battlefield. Os autores explicam que se inspiraram em jogos de ação militar para criar o projeto:

“Nós sempre nos perguntamos como seria a vida para os extras nesses jogos, as pessoas que não são os heróis, aqueles que estão à margem – como a maioria de nós. Qual é a sensação de ser uma das muitas vítimas da guerra, ao invés do herói? Qual é a sensação de ter a guerra como pano de fundo para o seu dia a dia?”

O próprio projeto em si, carrega seus mistérios, contando com a colaboração de um escritor anônimo – Señor X – para o desenvolvimento dos diários pessoais de Angela, o que deverá conferir maior profundidade tanto à personagem quanto à trama.

Para os mais puristas, Leigh Alexander – editora do Gamasutra – colocou uma pedra sobre o assunto com uma postagem no Twitter há algum tempo:

“Quando as pessoas dizem que os games precisam de objetivos para serem realmente ‘games’, eu me pergunto por que ‘entender melhor outros seres humanos’ não é considerado um ‘objetivo’ válido.

Videogames precisam de ‘desafios’ e ‘regras’, não seria a ‘empatia’ um desafio? Não seriam os preconceitos normativos uma ‘regra’?”

Se interessou pelo assunto? O Science Friday fez um podcast bem interessante sobre o assunto (infelizmente, todo em inglês), com convidados especializados como Katherine Isbister – autora de How Games Move Us: Emotion by Design pela MIT Press. Confira!