Você já ouviu falar em games persuasivos?
Assim, no susto, o termo pode parecer estranho. Estamos falando de games que convidam o jogador a viver situações e se colocar no lugar de personagens específicos, experimentando dilemas (principalmente morais) que o façam refletir.
A discussão a respeito do engajamento empático no meio dos games voltou à tona nesta semana, especialmente por conta do polêmico posicionamento do Facepunch Studios, estúdio criador do jogo de sobrevivência Rust. O jogo passou a selecionar randomicamente os avatares que seriam utilizados, sem que o jogador pudesse exercer controle sobre esta decisão. Assim sendo, o jogador de Rust deve estar preparado para jogar com qualquer avatar, independente de gênero e raça.
Imagem do jogo Rust
Embora Rust exista desde 2013, foi publicada uma postagem no seu blog de desenvolvimento no dia 7 de abril a respeito da adoção de um gameplay baseado na seleção do avatar pela SteamID. Muitas perguntas foram feitas e respondidas, principalmente por Garry Newman, principal desenvolvedor do jogo, para o The Guardian em Why my videogame chooses your character’s race and gender for you ou “Porque meu videogame escolhe a raça e o gênero de seu personagem para você”.
Apesar das reclamações, Newman é categórico:
“Em ultima instância a decisão tem a ver com o gameplay. Nós não acreditamos que deixar você escolher sua raça ou gênero iria melhorar o jogo. Por outro lado, randomizar o gênero e a raça de todo mundo atende a todos os nossos requerimentos. Nós conseguimos uma ampla gama de raças e gêneros que fazem os jogadores mais identificáveis – enquanto, ao mesmo tempo, tornam os aspectos sociais do jogo muito mais interessantes.”
A ideia de usar os videogames como meios de comunicação mais empáticos, tratando de temas mais densos do que a boa e velha oposição entre bem e mal, não é realmente nova. Segundo Ian Bogost, autor de Persuasive Games: The Expressive Power of Videogames, é fácil explicar por que o potencial do videogame como meio de comunicação assusta:
“Quando você lê um livro ou assiste um filme, você pode sentir empatia ou se relacionar emocionalmente com os personagens ou as situações, entretanto você não está em posição de tomar decisões e ser confrontado com a experiência apresentada.
Num game, você tem um modelo de mundo no qual você interpreta um papel. Você tem uma parte do mundo representada no game e você pode tomar decisões. Estas decisões importam em termos de experiência estética.
Esta ideia é bem poderosa, porque permite aos games o oferecimento desses pequenos modelos de mundo dentro do qual nós podemos pisar. Nós podemos experimentar como é ser alguém ou alguma outra coisa. No caso dos games que tratam da experiência pessoal de alguém ou sobre um desafio em particular, a ideia de nos dar um sentido de como é viver na pele de alguém talvez seja mais pontual nos games do que em qualquer outro meio.”
O estúdio independente Tale of Tales, responsável pela criação de jogos como The Graveyard e The Endless Forest, trabalha justamente com essa premissa ao nos apresentar Sunset:
“Sunset é um videogame em primeira pessoa conduzido pela narrativa que se passa num apartamento de uma cidade ficcional Sul-americana da época de 1970. Você joga como uma governanta chamada Angela Burnes. Toda semana, uma hora antes do pôr do sol, você visita o luxuoso apartamento de Gabriel Ortega. Você recebe uma série de tarefas para realizar, mas a tentação de se meter nos negócios dele é irresistível. Conforme você passa a conhecer melhor seu misterioso empregador, você é sugada por uma trama subversiva contra um notório ditador, Generalíssimo Ricardo Miraflores.”
Imagem do jogo Sunset
Já deu para perceber que, apesar da temática de guerra, Sunset é bem diferente de um Battlefield. Os autores explicam que se inspiraram em jogos de ação militar para criar o projeto:
“Nós sempre nos perguntamos como seria a vida para os extras nesses jogos, as pessoas que não são os heróis, aqueles que estão à margem – como a maioria de nós. Qual é a sensação de ser uma das muitas vítimas da guerra, ao invés do herói? Qual é a sensação de ter a guerra como pano de fundo para o seu dia a dia?”
O próprio projeto em si, carrega seus mistérios, contando com a colaboração de um escritor anônimo – Señor X – para o desenvolvimento dos diários pessoais de Angela, o que deverá conferir maior profundidade tanto à personagem quanto à trama.
Para os mais puristas, Leigh Alexander – editora do Gamasutra – colocou uma pedra sobre o assunto com uma postagem no Twitter há algum tempo:
“Quando as pessoas dizem que os games precisam de objetivos para serem realmente ‘games’, eu me pergunto por que ‘entender melhor outros seres humanos’ não é considerado um ‘objetivo’ válido.
Videogames precisam de ‘desafios’ e ‘regras’, não seria a ‘empatia’ um desafio? Não seriam os preconceitos normativos uma ‘regra’?”
Se interessou pelo assunto? O Science Friday fez um podcast bem interessante sobre o assunto (infelizmente, todo em inglês), com convidados especializados como Katherine Isbister – autora de How Games Move Us: Emotion by Design pela MIT Press. Confira!