A Abordagem Jornalística Sobre Games
Sempre que alguém vê alguma reportagem na TV ou no jornal sobre games, essa pessoa vem falar comigo. Acho isso ótimo, indica que realmente dão importância ao campo que estudo. Por outro lado, por fazer parte do universo gamer e estudá-lo, tais abordagens me irritam um pouco…
Recentemente, veio ao meu conhecimento uma reportagem do Bom Dia Brasil, transmitido pela TV Globo (para assisti-la, clique aqui), a respeito da Pesquisa Game Brasil 2015, realizada pela ESPM e Sioux, sobre o perfil do gamer brasileiro em 2014. Poderia ter sido uma boa experiência, que somaria a minha própria pesquisa. Infelizmente, a TV aberta manteve sua incompetência e ignorância a respeito do tema.
Sei que a TV tem de ser dinâmica e também não estou afirmando que todos sejam especialistas no assunto, mas acredito que o jornalismo precisa minimamente entender sobre aquilo que está transmitindo. Percebe-se claramente que o trabalho de apuração baseou-se apenas na leitura seca dos dados estatísticos. Não houve um mínimo de aprofundamento ou envolvimento com o tema. O tom da matéria não foi descontraído (consequência natural da essência divertida do jogo), foi extremamente idiota e calcado em antigos paradigmas preconceituosos.
A jornalista (será que é mesmo? Não sei…) brinca que jogar com os filhos pode ser uma desculpa para se atirar no vício. Sério? Uma reportagem que pretende passar informação baseada em evidências vai utilizar um comentário pessoal e, além disso, completamente imbecil? E a pérola “se não dá para proibir, jogue com eles”? Os jornalistas vomitam conclusões com base em suas próprias visões limitadas e subjetivas…
Seguindo este caminho raso, a matéria engana em suas afirmações. Por exemplo, ela dá a entender que os pais jogam com seus filhos e apenas o fazem por isso. Entretanto, o estudo contou com a participação de 909 pessoas de 14 a 84 anos. 92,7% afirmaram que gostam de jogar e 82% dos pais entrevistados jogam com os filhos. Ao cruzarmos as pessoas que gostam de jogar com os pais entrevistados, teríamos uma maioria de pais que jogam, independente de ser com os filhos. A conclusão da pesquisa é que a maioria das pessoas entrevistadas gostam da atividade e, inclusive, a praticam com seus filhos, elevando a abrangência do envolvimento com o universo.
A precipitada afirmação que os pais jogam apenas com os filhos leva a outro exemplo de falta de conhecimento. A repórter ao afirmar que “… mas 61,5% disseram que controlam” dá a entender que os pais estão lá apenas como uma forma de companhia, para passar o tempo com os filhos, ou, de fato, controlar a atividade.
E, como não podia faltar, temos a incontestável (e vazia e frágil e incompleta e fraca) “recomendação dos especialistas”. É uma ferramenta dos jornalistas quando não querem apurar de verdade uma informação, correndo atrás de fontes variadas e cruzando dados. Basta generalizar e deixar na terceira pessoa do plural…
A conclusão correta do estudo (e que está presente na apresentação dos autores) é que “pais e filhos interagem juntos com jogos eletrônicos (82%)”. Este é o fato. Qualquer coisa além disso é especulação – coisa que eles não podem fazer, mas eu posso, pois não sou jornalista ou trabalho em uma empresa do campo.
No geral, contudo, a própria pesquisa é fraca, pois tira conclusões gerais juntando em um mesmo bolo indivíduos de diferentes classes sociais, faixas etárias e localidades, como se isso não impactasse no próprio objeto investigado. E, também, falta informação relevante para que seja possível, de fato, traçar o perfil do gamer.
Mas esse é o nosso jornalismo: quando não diz o óbvio, diz besteira…