Quando a história deve ser maior que o próprio jogo?
Esse é um daqueles posts que podem causar conflitos sem fim nos comentários e escolhi para iniciar minha jornada como colunista desse site exatamente porque tem uma visão que representa exatamente o que eu acredito em relação a games e propaganda. Ele foi escrito originalmente para a storytellers brand’fiction.
Tradicionalmente o mundo das histórias tem uma relação complexa com os jogos. Isso porque quando os computadores começaram a permitir que jogos mais interessantes fossem desenvolvidos, os primeiros Game Designers não eram autores, eram programadores e caras de tecnologia – aliás essa é uma característica do mercado atual de desenvolvimento de jogos brasileiros.
Segundo Wendy Despain (International Game Developers Association) : A contratação de um ” escritor ” nestas grandes equipes de desenvolvimento é bastante nova . Até cerca de 2002 , game designers e programadores faziam o que hoje chamamos concepção narrativa e escrita de diálogo. Isso levou a criação de um mercado orientado pelo gameplay, mais do que pela história. Aliás Despain ainda afirma que “…jogos ainda estão em processo de descobrir como contar uma boa história , sem se tornar um filme ou outra coisa que não um jogo”.
Mas calma, isso não significa que não vamos contar uma boa história com um jogo, aliás vários games fazem isso, entretanto quando levamos o comprometimento que uma mensagem empresarial necessita a história pode ser mais essencial que o gameplay e pra entender isso vamos voltar um pouco aos estudos de Huizinga.
Para ele “…no jogo existe alguma coisa em jogo, que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido a ação”. Se correlacionarmos isso com o que dizem game designers podemos entender o que é essa “alguma coisa que confere sentido…” como o próprio Feil que conclui seu pensamento ” Jogos exigem um certo nível de elevada foco e tempo de reação para derrotar os desafios… não há tempo para ler histórias. No entanto, as pessoas anseiam histórias , pois elas lhe concedem uma motivação para ações como correr e saltar pelo game.”
Isso vem de encontro com outros estudiosos, que defendem que a história é o que dá o sentido a ação no jogo. O que faz valer a pena você passar por horas em quests repetitivas sem se frustrar.
Então podemos perceber duas possibilidades de interações: Na primeira o jogador tem um divertimento, que pode ser extremo, mas é um entretenimento baseado em imersões estratégicas ou táticas, com a possibilidade de uma ficção mínima, ou seja, quase sem histórias (e em alguns casos sem histórias mesmo).
Porém este divertimento não tem um campo de ressonância tão potente quanto a imersão narrativa – o player jogador tem uma interação baseada na sua função e não no contexto do game. A imersão narrativa é a nossa segunda possibilidade, mas precisamos fazer um breve disclaimer pra inserir informações pertinentes sobre ela.
Huizinga defende que toda a sociedade foi construída no “espírito de jogo” e realmente ele está presente em tudo, mas sempre ao lado de uma mitologia, afinal são elas as únicas forças capazes de sustentar (inclusive) a existência da vida. As histórias mantiveram pessoas unidas (durante o nascimento da sociedade), celebrando rituais em lugares sagrados do mesmo modo que mantém jovens em lan houses ou em suas casas montando guildas para acabar com um grande mal. Isso é bem descrito na obra de Campbell, O Poder do Mito.
Para ele as mitologias são “Música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia”, que assim como nos games nos explica o porque somos permitidos fazer ações e confere sentido a ela. Ações como o ato de se socializar ou não com as pessoas, matar certos animais ou retirar a própria vida.
Quando um jogador experimenta um mito dentro do jogo (através da imersão narrativa), vários dos elementos que encontra não ficam restrito a aquele ambiente. A celebração por completar uma quest, alcançar uma vitória e experimentar um combate épico com um aliado inesperado não pode ser aprisionada no universo digital, ela transgride a barreira ou como diria o Castronova “O mundo sintético”. Essas sensações se tornam reais aqui no nosso mundo e as interações sociais criadas por guildas dentro e fora do universo de jogo é um indício desses elementos criados dentro do círculo mágico, mas que atravessa para a realidade de suas vidas.
Então quando o Gameplay deve ficar em segundo plano?
De preferência nunca. Uma grande narrativa interativa compreende um grande gameplay. Mas a questão é que em alguns casos como na produção dos chamados Advergames, Args e qualquer ação de storytelling interativo com foco em mensagens publicitárias ou empresariais deve-se pensar em levar para a vida das pessoas a essência da sua marca. Jogos baseados em gameplay puro podem ser muito eficientes para promoções esporádicas, aonde se mantém ranks dos seus clientes, mas um game com um storyworld bem elaborado pode criar uma verdadeira comunidade engajada.
Isso implica mesmo em um tempo maior de produção e se for de maneira bem executada o retorno também pode ser apreciado e longo prazo. Praticamente as histórias definem culturas e o espírito do jogo ou o jogo em si pode ser a ferramenta para que essa cultura seja moldada. Em tempos aonde muitos empresários e diretores de marketing pensam em criar defensores fiéis das suas marcas, investir em uma boa história dentro de um bom jogo é mesmo algo a se relevar.